segunda-feira, junho 06, 2005

Lições de Democracia

O princípio universal, de "um homem, um voto", conhecido por "votação plural", não é o processo mais justo de proceder a uma eleição. Pelo contrário. Pode levar a gritantes injustiças, elegendo o candidato menos apoiado pelos eleitores!Nada melhor para esclarecer estas afirmações surpreendentes do que um exemplo. Suponhamos que para um determinado cargo existem três candidatos: o Alberto, o Bernardo e a Catarina (daqui por diante designados respectivamente por A, B e C), e que o universo eleitoral é constituído por 12 pessoas. Cada eleitor tem a sua hierarquia de preferências entre A, B e C. Se um eleitor prefere A a B e, por outro lado, B a C, vamos designar as suas preferências eleitorais por A>B>C. Suponhamos então que as ordens de preferência eleitoral dos votantes são as seguintes: para 5 dos eleitores, A>C>B; para 4 dos eleitores, B>C>A; e para os restantes 3, C>B>A.De acordo com a regra de “um homem, um voto”, cada eleitor vota na sua primeira preferência. Resultado – o Alberto é eleito com uns confortáveis 42%. E com toda a justiça, pensamos.No entanto, o que aconteceria se o Bernardo tivesse retirado a sua candidatura? O nosso sentido de justiça leva-nos imediatamente a pensar que deve continuar a ser o Alberto o vencedor. Errado! Uma simples contagem mostra que, retirando-se o Bernardo, a Catarina ganha ao Alberto por 7 a 5 – porque o Alberto é a primeira escolha para 5 votantes mas a última para 7. É eleita a Catarina!Mais. Nas outras eleições entre apenas dois candidatos, a Catarina vence o Bernardo por 8 a 4 e o Bernardo vence o Alberto por 7 a 5.Estes resultados sugerem fortemente que os eleitores no seu conjunto encaram a Catarina como o melhor candidato, visto que ganha a todos os outros isoladamente, e o Alberto como o pior, visto que perde em comparação com qualquer dos outros.Ironia do destino... é eleito o Alberto e a Catarina fica em último lugar. O resultado da escolha colectiva foi o menos desejado pela maioria dos próprios eleitores.Este paradoxo eleitoral tem um único culpado: o processo de contagem dos votos. Ele mostra que a “votação plural” pode, ao contrário do que é intuitivo, não reflectir fielmente as opções do eleitorado.Estas observações não são novas. Pelo contrário. Têm mais de 200 anos. Tudo começou quando, em 1780, o matemático francês Jean-Charles Borda, cansado do que considerava serem más decisões eleitorais da Academia das Ciências, apresenta uma memória sobre contagem de votos em eleições. Borda descreveu os defeitos do sistema “Um homem, um voto” e propôs um novo sistema, que demonstrou matematicamente ser mais justo. A Academia adotou-o até cerca de 1800.O método proposto, conhecido hoje como “contagem de Borda”, é simples. Em lugar de “um homem, um voto”, cada votante deve ordenar os candidatos por ordem de preferência. Se há três candidatos, a primeira escolha do votante recebe 2 pontos, a segunda 1 ponto e a terceira 0 pontos. No final, somam-se os pontos obtidos por cada um dos candidatos. Ganha quem tiver mais pontos.É mais ou menos clara a superioridade deste método sobre a votação plural. Na contagem de Borda o voto retém a informação sobre todas as opções do eleitor. Na votação plural é apenas considerada a primeira preferência do eleitor; as suas outras opções são ignoradas.É assim natural esperar que a contagem de Borda retrate com maior fidelidade e precisão as preferências do eleitorado. Para retomar o exemplo acima, realizemos a eleição entre A, B e C utilizando a contagem de Borda. O resultado é de 15 pontos para a Catarina, 11 para o Bernardo e 10 para o Alberto. Fez-se justiça! A Catarina é eleita e o Alberto fica em último.